O Buda falou acerca da impermanência, de que nada dura, e que não compreender a verdadeira natureza da impermanência significa sofrimento. A maioria de nós até pode concordar que a impermanência, ou a mudança, é um fato da vida. Se eu perguntar se o tempo, uma cidade, uma criança será sempre o mesmo, a maioria vai dizer que não. Se eu perguntar se nós, como indivíduos nunca mudamos, mais uma vez a maioria diria que não. Mas aqui está o busílis. A nossa sensibilidade à impermanência revela-se nos imensos apegos que temos a muitas coisas da nossa vida, desejando para que o mundo seja imutável. Nós vivemos num estado de conflito. Intelectualmente entendemos que tudo muda, e que todas as coisas boas ou ruins passam, mas emocionalmente apegamo-nos às coisas que gostamos e afastamo-nos das coisas que não gostamos. Isto cria sofrimento sempre que estamos a atravessar os ventos de mudança, enfrentamos uma enorme turbulência emocional, enquanto tentamos poderosamente agarrar-nos aquilo que sabemos que temos de nos livrar, ou que terminou. E isto é um impulso comum que na grande maioria das vezes gera sofrimento.
A INADEQUAÇÃO À MUDANÇA
Infelizmente, quanto mais esforço aplicamos na tentativa de tornar o mundo imutável, mais sofrimento experimentamos porque o mundo segue o seu caminho, gostemos ou não. Perante a nossa forte necessidade de fugirmos a grande parte das mudanças da nossa vida, nós ficamos vulneráveis, como se fossemos um animal preso numa rede. Os animais lutam num crescente desespero na tentativa de escapar, apenas fazendo com que a rede fique mais apertada. Funciona um pouco como quando temos de levar uma vacina. A resistência, ou contrair os músculos em antecipação à dor, faz com que a dor da injeção seja pior. Podemos resistir ao que é um fato, mas há um custo para nós e para os outros. Nós, usualmente expressamos os nossos problemas internos (a necessidade de que o mundo seja diferente do que é) para os outros, fazendo-os sofrer.
As mudanças por vezes impõem-se por si só, longe da nossa vontade e querer como as que estão ligadas ao principio existencial de cada um de nós, que é a dura realidade de que todas as coisas são transitórias. Outra, é o ritmo e a magnitude da mudança da sociedade. E uma terceira é o que muitas vezes nos provoca maior dificuldade devido à sua frequência, que são as nossas colisões diárias contra a realidade que se nos impõem. Quando nos apegamos às expectativas sobre como o mundo deve ser, e se este não está de acordo com essas expectativas, por vezes, ficamos perturbados e sofremos com isso. Tentamos resistir ao que é. Descontentamentos diários comuns incluem coisas como um funcionário de caixa de supermercado antipático e mal-humorado, uma pessoa que quase nos manda fora da calçada, uma carta a relembrar-nos de um pagamento em atraso, ou voltar para casa de uma viagem e encontrar um viveiro de formigas na cozinha.
O CONTROLE SOBRE AS OUTRAS PESSOAS É PROMOTOR DE SOFRIMENTO MÚTUO
Talvez o gatilho mais comum de resistência à realidade são as ações (ou ausência de ações) das outras pessoas. Por vezes, queremos que as pessoas se comportem da forma como desejamos, e não como elas costumam comportar-se. Quando começamos a ficar frustrados com a não apreciação sobre os comportamentos das outras pessoas, podemos ver as ações delas como obstáculos para o nosso bem-estar, e assim tentar controlá-las. Mas as pessoas não gostam de ser controladas, resistindo à nossa persuasão, e tornando tudo consideravelmente pior. Infelizmente, a tentativa de controlar os outros, muitas vezes assume formas desagradáveis e desrespeitosas. Considere a raiva, o sarcasmo, o escárnio, o mau humor, vitimização, ou culpa, que representam apenas algumas das muitas maneiras que podemos tentar manipular os outros a fazer o que queremos. Perante tal cenário, elevamos a probabilidade de gerar sofrimento para nós e para as outras pessoas.
ACEITAR A MUDANÇA
O sofrimento autoinfligido, o sofrimento desnecessário sedimentado num raciocínio desadequado, usualmente gera mágoa, tristeza, azedume, cansaço, irritabilidade, descrença, stress, negatividade, pouco a pouco constrói-se uma estrutura mental catastrófica e sombria que mina qualquer hipótese de bem-estar e felicidade. Para aqueles de nós à procura de uma maior paz interior (a maioria de nós) é vantajoso aceitar a mudança, não toda e qualquer mudança e a todo o custo, mas a mudança que sabemos ser inevitável. E, uma das chaves para isso é viver no momento presente. Estar no momento presente, senti-lo e experiênciá-lo permite-nos presenciar e olhar para os pensamentos negativos, emoções negativas e até mesmo ações, e não tentar afastá-las. Estar no momento presente permite-nos entender plenamente o que estamos vivendo, e ”regular” as reações inúteis, especialmente as de resistência.
ACEITAR A NOSSA PRÓPRIA EXPERIÊNCIA
Somos seres humanos, e como tal no nosso código genético possuímos informação que nos permite sentir e vivenciar uma leque alargado de sensações, sentimentos e emoções. Através dos nossos cinco sentidos, o nosso sistema nervoso leva até à central de comandos (o nosso cérebro) informação (nem boa, nem má) que é posteriormente sujeita a uma avaliação consciente. É na verdade, a forma como interpretamos a informação que permite criarmos um gatilho para o sofrimento. Nem toda a informação considerada negativa pelas nossas avaliações tem necessariamente de levar-nos ao sofrimento. O sofrimento é uma forma apurada, da dor emocional, física e espiritual. O sofrimento é algo subjetivo, pessoal e intransmissível.
Aprender a aceitação e praticá-la, permite-nos perante situações problemáticas e consequente impacto em nós, resolver mais facilmente o gatilho da nossa frustração. A aceitação facilita o processo de reconhecimento das nossas reações, o que permite não ficarmos apegados a elas, nem sermos conduzidos por comportamentos subconscientes inapropriados. Simplesmente “estar” com essas reações (sem julgamento destrutivo) ajuda-nos no caminho para a paz interior, porque nós retiramos-lhes o poder de nos afetar, não ficarem em nós. Basta observar e não fazer julgamentos sobre as reações, é como se disséssemos: ”Ah, o vento está a soprar para norte.”
No exemplo anterior, depois de se observar a direção do vento, dirigimos facilmente os nossos pensamentos para outro estímulo qualquer. Se conseguirmos observar as situações, mas não ficarmos apegados à reação que temos, por exemplo, não ficarmos de mau humor porque fomos mal atendidos na caixa do supermercado, aplicamos o mesmo processo quando observamos a direção do vento. Se conseguimos fazê-lo para o vento, podemos fazê-lo para qualquer coisa. Tudo depende da aceitação da experiência e da prática do desapego, prática interminável do desapego e reorientação da atenção e dos pensamentos noutro assunto. Esta é uma técnica que nos permite com eficácia reestabelecermos o equilíbrio emocional e encontramos paz interior, mesmo em situações mais voláteis.
QUANDO TUDO MUDA, MUDE VOCÊ TAMBÉM
Como tenho vindo a explicar, grande parte do sofrimento, por vezes é autoinfligido nas situações do nosso dia-a-dia. Situações que ativam a nossa frustração, pelo fato das coisas não acontecerem como nós desejaríamos. Ou, por vezes também porque algumas das coisas que gostamos, mudaram, alterando-nos o humor, o bem-estar e a satisfação de vida. O apego exagerado ao nosso próprio modelo de olhar o mudo, pode promover o sofrimento, dado que o mundo é mutável, muitas coisas mudam a todo o momento. Quanto mais flexibilidade de pensamento e aceitação da realidade das experiências que vivemos, tivermos, mais capacidade desenvolvemos para nos adequarmos e nos desapegarmos das situações desagradáveis com que nos deparamos constantemente.
Aceitar a inevitabilidade das experiências que estão fora do nosso controle é parte do caminho para a paz interior. Mas talvez ainda mais importante no movimento para a paz interior é aceitar que a mudança é inevitável. E se a mudança é inevitável, é importante que nós consigamos também mudar. Não falo em mudar-se a si mesmo enquanto pessoa. Mas sim, mudar o seu foco atencional, mudar os seus pensamentos. Mudar a orientação dos seus pensamentos, sem ficar preso à ideia de que tudo tem de ser como você gostaria que fosse. Quando algo acontece, que esteja fora do seu controle, e não é como você gostaria, analise a importância disso. Se não for suficientemente importante para a sua vida, flexibilize o seu pensamento e foque a sua atenção em algo diferente. Não fique a consumir-se com algo que no próximo dia não terá qualquer peso na sua vida.
TRISTEZA, SENTIMENTOS E PENSAMENTOS NEGATIVOS NÃO SÃO O FIM DO MUNDO
A excessiva sensibilidade e incapacidade para suportar momentos de tristeza, sentimentos negativos e pensamentos negativos é um enorme gatilho para o sofrimento. No entanto, sentir tristeza e ter sentimentos e pensamentos negativos é uma realidade inevitável. Todos nós em alguns momentos da nossa vida iremos passar por um cenário do género. Os motivos serão distintos para cada um de nós, mas o resultado pode conduzir-nos ao sofrimento. No entanto, o sofrimento pode ser minimizado através do entendimento e da aceitação de que todos nós não podemos deixar de sentir tristeza, nem deixar de ter sentimentos e pensamentos negativos. É uma condição humana. O que temos sim, é de aprender a lidar com isso, e a desapegar-nos disso. É importante perceber que somos capazes de fazer coisas para nos sentirmos melhor quando estamos tristes, e que sentir tristeza não é o fim do mundo.
Por vezes o sofrimento não está nos acontecimentos em si, mas na forma como lidamos com os sentimentos e pensamentos que eles nos fazem disparar. A forma como lidamos com as sensações que sentimos e com os pensamentos que nos surgem na cabeça, promove o nosso mal-estar, ou ao invés, promove o alívio do sofrimento e a procura de soluções.
Acontecimentos que nos deitam abaixo, que nos infligem sofrimento imediato, que colocam o sentido da vida em causa, são premissas que toda a humanidade tem vindo a enfrentar ao longo dos milénios. Catástrofes, mortes de familiares, sofrimento físico desmedido são situações mais que justificativas para gerar sofrimento legítimo. Ainda assim, após a derrocada, cada um de nós enfrenta a dura decisão de ter de voltar a restabelecer-se. É sempre um decisão que se movimenta entre o terrível sofrimento ligado à situação que o originou e a vontade de voltar a sentir-se bem. É nesse exato momento, que a aceitação da situação e o desapego dos sentimentos e pensamentos negativos podem tomar lugar. A capacidade de ter em mente as situações angustiantes e ainda ser capaz de orientar os pensamentos para algo que possa ser agradável e vir a fazer-nos sentir bem, joga um papel importante no alívio do sofrimento e na reconstrução de um sentido para a vida.
A memória de algo catastrófico e a noção de perda ou frustração, não invalida que possamos seguir em frente e trabalhar na orientação dos nossos pensamentos e ações que nos tragam um retorno positivo para a vida.
Fonte: http://www.escolapsicologia.com/como-abandonar-o-sofrimento-quando-este-e-prejudicial/
Sem comentários:
Enviar um comentário